Dez anos perdido, trancado numa cela feito um bicho
 
 Ouvia a voz do meu filho chorando de fome, reclamava
 
 Meu nome
 
 Naquele tempo nem pensei, muito menos raciocinei
 
 A escolha da vida bandida foi um choque pra família
 
 Era eu e mais quatro pivete, da zona oeste, cinco
 
 Moleque de vê parada
 
 Sem preguiça, com malicia, medo?
 
 Não tinha medo de nada
 
 Altas fita, gastava com as mina
 
 Lá no parquinho lá da vila
 
 Éramos o terror da área
 
 Qualquer perreco perreco
 
 Sem chance, era nós o destaque da coluna criminal
 
 Ladrões mirim aterrorizam a cidade
 
 Ninguém mais dorme com tranqüilidade
 
 Quando Djalma pensava algo, agia rápido
 
 Vamo agir, agencia essa aqui, dinheiro fácil sim
 
 Manda aqui pra mim
 
 Mas tudo que se faz aqui aqui se paga, desgraça, uma
 
 Tocaia
 
 No meio de um tiroteio, chumbo no peito
 
 Desmaiei, quando acordei
 
 Será que eu tô preso? Sim. Será um pesadelo? Não
 
 Cadê os meus truta, será que morreram ou estão
 
 Contando o dinheiro?
 
 A cada cinco passo uma cela fechada, e os cara
 
 Gritava
 
 O grito de guerra do crime: Vai morrê! O demônio quer
 
 Você! 
 
 Aqui num é a casa da titia, é o maior presidio da
 
 América latina
 
 Carandiru, Situiunhum
 
 Quem disse que o homem não chora, aqui chora!
 
  
  Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá
 
 Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá
  
 
 Uma visita do meu pai
 
 Não conseguia olhar no meu rosto, de tanto desgosto
 
 Oh Jesus! Me conduz, me mostra uma luz!
 
 Só lembra em Jesus quando está em sufoco, sou louco!
 
 Hoje em dia é fácil tirá a cadeia, é tão fácil como
 
 Vestir uma meia
 
 Na minha época se vacilasse, ganhasse uma tatuagem
 
 Uma pinta azul seria mais um puto
 
 Nos quatro canto, sem encanto
 
 Clima de maldade no ar, os cara se matando na faca
 
 Conclusão: Então, 19 mortos sem seleção
 
 Revolta de uns, felicidades de outros, você num viu
 
 Nada pescoço!
 
 Celas fechadas, barulho de prato risadas
 
 O aqui-agora já passou, jornal nacional já acabou
 
 As luzes se apagam, os detentos se acalmam
 
 Sono de malandro é sagrado
 
 Mais eu não conseguia dormir, que barulho será esse
 
 Aí?
 
 Será mais um se enforcando na grade, sendo estuprado
 
 Na verdade
 
 Me lembro quantas noites acordado e eu falava sozinho
 
 Passei por tudo isso, sem ninguém cruzar meu caminho
 
 Mais isso, não era o fim.. Daquele filme que eu
 
 Assisti
  
 
 Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá
 
 Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá
  
 
 Quantos anos já estou aqui, seis anos, dez anos
 
 Perdidos aqui
 
 Fim de semana dia de faxina, ouvindo rap e pagode da
 
 Periferia
 
 Atividade esportiva, futebol, é o que liga
 
 Então passa essa bola, vou fazer, esse gol agora
 
 Pavilhão 8 vence o 2, por três a dois
 
 Na hora da premiação, meu parceiro tremia de emoção
 
 Olhos fornido como uns da criança primária, na escola
 
 Sendo premiada
 
 Hoje tem visita, com a Diraci, só você pra me fazer
 
 Feliz
 
 E o Valdeci e o João, como eles estão? Na correria
 
 Como sempre irmão
 
 Ao ver a foto do meu filho, como se parece comigo
 
 Uma revolta por dentro, poderia estar com ele nesse
 
 Momento
 
 Fim da visita, abraços na despedida, parecia o última
 
 Dia
 
 Volto pra cela, acendo uma vela
 
 Aguardo o outro dia, a mesma monotonia
 
 80 índios armados de faca, despostos a furar mais um
 
 Na faca
 
 Virou rebelião, a tropa de choque invadiu o pavilhão
 
 Surpresa
 
 O diabo chegou pra te carregar, o inferno é seu lugar
 
 Corpos esfumaçados furados de bala, mata mata e cospe
 
 Na cara
 
 Cacetada borrachada mordidas de cães, enfurecidos
 
 Pastores alemães
 
 Os ratos davam risada, a cada 05 que matava
 
 O sangue cobria o rodapé, vou sair vivo dessa eu
 
 Tenho
 
 Fé
  
 
 Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá
 
 Quem já sentiu o frio da cela sempre vai lembrar
 
 Eu peço pra Deus cuidar de quem ficou por lá