Como eu me defendo desse sentimento de inadequação
 
 Que me destrói por dentro, pro qual eu não vejo explicação?
 
 Bandeira a meio mastro, um afago áspero, a voz do cantor
 
 Eu criei um certo faro para esse tipo de enganador
 
  
  (Graças a você)
  
 
 Ladeira abaixo, assim foi dito
 
 uma obra-prima de eufemismo
 
 para as dores da inaptidão,
 
 para o sufocante calor da afobação
 
 Ninguém imagina o que eu enfrentei
 
 o quanto doeu, o quanto eu rezei
 
 minha reza de ateu
 
 num desespero que eu nunca me atrevo a demonstrar
  
 
 Bêbada e vingativa,
 
 o amor como eu o conhecia
 
 de peito estufado, cheia de si
 
 cantando em copos por aí
 
 na madrugada eterna e ardente
 
 que te deixou toda em carne-viva
  
 
 Uma adoração inconcebível (em mim você devia confiar)
 
 todo o amor que me é possível (eu vejo tanto de mim mesma em você)
 
 recolhido, quieto, ensimesmado
 
 meu refém conformado e imperturbável
 
 na madrugada eterna e ardente
 
 que me deixou todo em carne-viva
  
 
 Agora, convenhamos: eu nunca me expus tanto, você nem pra impedir
 
 Com todo esse alvoroço, eu só engoli meu almoço, não senti gosto algum
 
 A torneira que eu esqueci aberta não tardou a inundar todo o prédio
 
 mas eu sobrevivi, eu sobrevivi
  
 
 O tempo que a gente passou aqui morando de favor
 
 nos tornou parte da mobília sem valor
 
 na percepção pobre e turva daquele que nos abrigou
  
 
 E foi nesse corredor que eu vi o fantasma de um senhor
 
 e de um labrador
 
 magro, manco e ameaçador
 
 Eu é que não vou me meter com esses dois
  
 
 Nem queira saber o que eu ambiciono,
 
 o que me mantém vivo, porque eu não cedo ao sono
 
 Eu te aconselho: nem queira saber
  
 
 Assim que os meus dias de vândalo terminarem,
 
 eu sei que me levarão pro céu
 
 E farão com que eu narre os meus escândalos
 
 sem que eu me gabe,
 
 com o constrangimento abatido de um réu
 
 Talvez fosse preferível
 
 que eu nunca tivesse saído
 
 de onde eu nasci,
 
 de Araguari