Eu devia estar contente 
 Porque eu tenho um emprego 
 Sou um dito cidadão respeitável 
 E ganho quatro mil cruzeiros 
 Por mês... 
    Eu devia agradecer ao senhor 
 Por ter tido sucesso 
 Na vida como artista 
 Eu devia estar feliz 
 Porque consegui comprar 
 Um corcel 73...   
 Eu devia estar alegre 
 E satisfeito 
 Por morar em ipanema 
 Depois de ter passado 
 Fome por dois anos 
 Aqui na cidade maravilhosa...   
 Ah! 
 Eu devia estar sorrindo 
 E orgulhoso 
 Por ter finalmente vencido na vida 
 Mas eu acho isso uma grande piada 
 E um tanto quanto perigosa...   
 Eu devia estar contente 
 Por ter conseguido 
 Tudo o que eu quis 
 Mas confesso abestalhado 
 Que eu estou decepcionado...   
 Porque foi tão fácil conseguir 
 E agora eu me pergunto "e daí?" 
 Eu tenho uma porção 
 De coisas grandes prá conquistar 
 E eu não posso ficar aí parado...   
 Eu devia estar feliz pelo senhor 
 Ter me concedido o domingo 
 Prá ir com a família 
 No jardim zoológico 
 Dar pipoca aos macacos...   
 Ah! 
 Mas que sujeito chato sou eu 
 Que não acha nada engraçado 
 Macaco, praia, carro 
 Jornal, tobogã 
 Eu acho tudo isso um saco...   
 É você olhar no espelho 
 Se sentir 
 Um grandessíssimo idiota 
 Saber que é humano 
 Ridículo, limitado 
 Que só usa dez por cento 
 De sua cabeça animal...   
 E você ainda acredita 
 Que é um doutor 
 Padre ou policial 
 Que está contribuindo 
 Com sua parte 
 Para o nosso belo 
 Quadro social...   
 Eu que não me sento 
 No trono de um apartamento 
 Com a boca escancarada 
 Cheia de dentes 
 Esperando a morte chegar...   
 Porque longe das cercas 
 Embandeiradas 
 Que separam quintais 
 No cume calmo 
 Do meu olho que vê 
 Assenta a sombra sonora 
 De um disco voador...   
 Ah! 
 Eu que não me sento 
 No trono de um apartamento 
 Com a boca escancarada 
 Cheia de dentes 
 Esperando a morte chegar...   
 Porque longe das cercas 
 Embandeiradas 
 Que separam quintais 
 No cume calmo 
 Do meu olho que vê 
 Assenta a sombra sonora 
 De um disco voador...