Eu nasci lá num recanto
Do sertão que amo tanto!
Onde o céu desdobra um manto
Feito de rendas de anil
Onde o Firmamento extenso
É um grande espelho suspenso
Refletindo o rosto imenso
Da minha Pátria, o Brasil
Criei-me lá na Fazenda
Que foi minha velha tenda
Onde escutei a legenda
Das coisas coloniais
Papa-figos, feiticeiros
Cantadores, cangaceiros
Caçadores e vaqueiros
Reino Encantado, e outros mais
A minha casa paterna
Não é a casa moderna
Onde somente governa
Gente da aristocracia
É um casarão de biqueiras
De esteios, de cumeeiras
De travessões e soleiras
Linha, ripa e caibraria
É um casarão barrentio
De labrojeiro feitio
Desconforme, luzidio
Minado de rubra cor
As suas fulgentes telhas
Flamejam como as centelhas
Dessas lágrimas vermelhas
Que Sol derrama, ao se pôr
Existe à frente um baixio
Onde um sonolento rio
Descansa em dorso macio
Numa esteira de cristal
Naquele terreno vasto
Onde a terra tem mais pasto
Onde o Brasil é mais casto
Eu vi meu berço Natal
Ah meu tempo de menino
Tempo de bem pequenino
A minha vida era um hino
Cantando no coração
Tempo da primeira escola
Da arapuca, da gaiola
Do berimbau, da viola
Da burrica e do pião
Ah! Que tempo de fartura
De carne, de rapadura
De leite e manteiga pura
Coalhada grossa, escorrida
Tempo de cascão de queijo
Que é manjar do sertanejo
Ah tempo velho que vejo
Retratado em minha vida
Às vezes quando chovia
De manhã bem cedo eu ia
Reparar se a vacaria
Estava em paz, no curral
Depois, revia, ligeiro
As cabras lá no chiqueiro
Visitava o galinheiro
E percorria o pombal
Ah! Que tempo de alegria
Quando, bebendo poesia
De calça curta, eu corria
À margem do Pajeú
Comendo jaboticaba
Melão, mamão e goiaba
Cambuí, jambo e quixaba
Maracujá e umbu
Oh! Que primorosas cenas
Quando nas tardes amenas
O pavão abria as penas
Iluminando o quintal
Quando a asa-branca, saudosa
Junto à juriti, queixosa
Cantava triste e nervosa
À sombra do braunal
Nasci fitando as colinas
Onde as águas cristalinas
Espalham pelas campinas
O pranto que o céu chorou
Onde a terra forma um adro
Mostrando a risco de esquadro
O mais invejável quadro
Que a mão de Deus desenhou
No meu sertão brasileiro
Foi onde eu ouvi primeiro
O cantador violeiro
Modulando uma canção
Fazendo da alma – cigarra
Da garganta – uma guitarra
Da vida – uma eterna farra
Do Brasil – o coração