Cantiga Para Pedir Dois Tostões
       Nos carris
 
 Vão dois comboios parados
 
 Foste longe e regressaste
 
 Trazes fatos bem cuidados
 
 E já pensas
 
 Em dourar o teu portão
 
 Se és senhor de dez ou vinte
 
 És criado de um milhão
 
 Regressaste
 
 Com um dedo em cada anel
 
 E projectos num papel
 
 E amigos esquecidos
 
 Tempos idos
 
 São tempos que voltarão
 
 Em que pedirás ao chão
 
 Os banquetes prometidos
 
  
  Milionário que voltaste
 
 Dois tostões p´rós que atraiçoaste
  
 
 Fazes pontes
 
 Sobre rios e valados
 
 Mas quando o cimento seca
 
 Já morremos afogados
 
 Fazes fontes
 
 No silêncio das aldeias
 
 E a sede é tal que bebemos
 
 Até ter água nas veias
 
 Instituíste
 
 Guarda-sóis e manda-chuvas
 
 Lambe-botas, beija-luvas
 
 Pedras-moles e águas-duras
 
 Inauguras
 
 Monumentos ao passado
 
 Que está morto e enterrado
 
 Entre naus e armaduras
  
 
 Milionário que voltaste
 
 Dois tostões p´rós que atraiçoaste
  
 
 Quanto a nós
 
 Nós cantores da palidez
 
 Nosso canto nunca fez
 
 Filhos sãos a uma mulher
 
 Nem sequer
 
 Passa mel nos nossos ramos
 
 Pois a abelha que cantamos
 
 Será mosca até morrer
  
 
 Milionário que voltaste
 
 Dois tostões p´rós que atraiçoaste