Nordeste Ficção

Juliana Linhares

Um dia eu sonhei que eu era um cacto
Desses que tenho em casa e eu não cuido
E que mesmo sem cor, sem água
Sem ter flor pra dar
Com os espinhos tortos 'inda olha rindo

Vivo intacto
Vivo intacto
O cacto

Menina, o sonho eu acho que era um cacto
De um interior envelhecido
Que fugira do sertão na tentativa
De colher futuro farto e voz ativa

Vivo intacto
Vivo intacto
O cacto

Olha eu em Sp, na portaria
Da brecha eu te mando um bom dia
O senhor bate os seus pés, sobe a fumaça
Tragando o mundo eu sigo, e você passa

Agora eu viajei, eu era um cacto
Desses na cidade grande, esquecidos
Chique, chique, pobre, pobre
Lado a lado

Que rachando a terra abre mais caminho
Amordace os dentes, sou eu o cacto
Cortando a raiz, sou mais de um país e um estado desistente

É fama pra dizer que a gente aguenta (vivo intacto)
Que manda chumbo grosso e nós sustenta (vivo intacto)
Botaram pra vender nossa esperança (vivo intacto)
Criaram o roteiro dessa dança (vivo intacto)

Lugar hostil de gente tão pacífica
Nordeste ficção científica
É pobre, é seca, é criança raquítica
Nordeste invenção política

Hei, herêrêrêrêrêrê, harêrêra
Nordeste emoção artística
Hei, herêrêrêrêrarê, herêrêra
Nordeste ficção científica
Nordeste invenção política
Nordeste ficção científica

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