Que Diacho! Eu Gostava do Meu Cusco

Odilon Ramos

Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Entendo. Envelheci entendendo
Bicho não tem alma, eu sei bem
Mas será que vivente tem?

Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Era um guaipeca amarelo
Baixinho, de perna torta
Que me seguiu num domingo
De volta de umas carreira

Eu andava abichornado
Bebendo mais que o costume
Essas coisa de rabicho, de ciúme
Vocês me entendem? Ele entendeu

Passei o dia bebendo
E ele ali no costado
Me olhando de atravessado
Esperando por comida

Nesse tempo era magrinho
Que aparecia as costela
Depois pegou mais estado
Mas nunca foi de engordá

Quando veio meu guisado
Dei quase tudo pra ele
Um pouco, por pena dele
E outro, que nesse dia
Só bebida eu engolia
Por causa dos pensamento

Já pela entrada do Sol
Ainda pensando na moça
E nas miséria da vida
Toquei de volta prás casa
E vi que o cusco magrinho
Vinha troteando pertinho
Com um jeito encabulado

Volta pra casa, guaipeca!
Ralhei e ralhei com ele
Parava um pouco, fugia
Farejava qualquer coisa
Depois voltava pra mim
O capataz não gostou
Na estância só tinha galgo
Mas o guaipeca ficou

Botei-lhe o nome de sorro
As crianças, de brinquinho
Mas o nome que pegou
Foi de guaipeca amarelo

Mas nome não é o que importa
Bicho não tem alma, eu sei bem
Mas será que vivente tem?

Ficou seis anos na estância
Lidava com gado e ovelha
Sempre atento e voluntário
Se um boi ganhava no mato
O guaipeca só voltava
Depois de tirá pra fora

E nunca mordeu ninguém!
Nem as índia da cozinha
Que inticava com ele
Nem ovelha, nem galinha
Nem quero-quero, avestruz
Com lagarto, era o primeiro
E mesmo pequininho
Corria mais do que um pardo

E tudo ia tão bem
Até que um dia azarado
O patrãozinho noivou
E trouxe a noiva pra estância

Era no mês de janeiro
Os patrão tava na praia
E veio um mundo de gente
Tudo em roupa diferente
Até colar, home usava
E as moça meio pelada
Sem sê na hora do banho
Imagino lá no arroio
O retoço da moçada

Mas bueno, sou d'outro tempo
Das trança e saia rodada
Até aí não tem nada
Que a gente respeita os branco
Olha e finge que não vê
O pior foi o meu cusco
Que não entendeu, por bicho
A distância que separa
Um guaipeca de peão
Da cachorrinha mimosa
Da noiva do meu patrão

Era quase de brinquedo
A cachorrinha da moça
Baixinha, reboladera
Pêlo comprido e tratado
Andava só na coleira
E tinha medo de tudo
Por qualquer coisa acoava

Meu cusco perdeu o entono
Quando viu a cachorrinha
E lhes juro que a bichinha
Também gostou do meu baio
Mas namoro, só de longe
Que a cusca era mais cuidada
Que touro de exposição

Mas numa noite de Lua
Foi mais forte a natureza
A cadela tava alçada
E o guaipeca atrás dela
Entrou por uma janela
E foi uma gritaria
Quando encontraram os dois

Achei graça na aventura
Até que chegou o mocito
O filho do meu patrão
E disse pra o Vitalício
Que tinha fama de ruim
Benefecia o guaipeca
Pra que respeite as família!
Parecia até uma filha
Que o cusco tinha abusado

Perdão, lhe disse, o coitado
Não entende dessas coisa
Deixe qu'eu leve pra o posto
Do fundo, com meu compadre
Depois que passá o verão
Capa o cusco, Vitalício!
E tu, pega os teus pertence
E vai buscá o teu cavalo

Me deu uma raiva por dentro
De sê assim despachado
Por um piazito mijado
E ainda usando colar
Mas prometi aqui pra dentro
Mesmo filho do patrão
No meu cusco ninguém toca
Pego ele, vou m'embora
E acabou-se a função

Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Bicho não tem alma, eu sei bem
Mas será que vivente tem?

Campiei ele no galpão
Nos brete, pelas mangueira
E nada do desgraçado
No fim, já meio cansado
Peguei o ruano velho
E fui buscá o meu cavalo

Com o tordilho por diante
Vinha pensando na vida
Posso entrá numa comparsa
Mesmo no fim das esquila
Depois ajeito os apero
E busco colocação
Nem que seja de caseiro
Se nã me ajustam de peão
E levo o cusco comigo
Pois foi o único amigo
Que nunca negou a mão

Nisso, ouvi a gritaria
E os ganido do meu cusco
Que era um grito de susto
De medo, um grito de horror
Toquei a espora no ruano
Mas era tarde demais
Tinham feito a judiaria
E o pobrezinho sangrava
Sangrava de fazê poça
E já chorava fraquinho

Peguei o cusco no colo
E apertei o coração
O sangue tava fugindo
Não tinha mais esperança
O cusco foi se finando
E os meus olho chorando
Chorando que nem criança

Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Bicho não tem alma, eu sei bem
Mas será que vivente tem?

Nessa hora desgraçada
O tal mocito voltou
Pra sabê pelo serviço
Botei o cusco no chão
Passei a mão no facão
E dei uns grito com ele
Com ele e com o Vitalício!

Ele puxô do revólver
Mas tava perto demais
Antes que a bala saísse
Cortei ele pra matá
Foi assim, bem direitinho
Eu não tô aqui pra menti
É verdade qu'eu fugi
Mas depois me apresentei
Me julgaram e condenaram
Mas o pior que assassino
Foi dizerem que o motivo
Era pouco pra o que fiz

Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Bicho não tem alma, eu sei bem
Mas será que vivente tem?

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